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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Satisfação no trabalho e saúde mental

Por (Maria Carmen Martinez e Ana Isabel Bruzzi Bezerra Paraguay) 
A satisfação no trabalho é um dos principais componentes para a satisfação geral com a vida e uma estimativa subjetiva de bem-estar (Zalewska, 1999a, 1999b). Assim, satisfação no trabalho também é importante para a saúde mental do indivíduo na medida em que aquela pode ter uma extensão de seu efeito para a vida particular e, ao contrário, caso ocorra a insatisfação no trabalho, será acompanhada de desapontamento que permeará a vida do indivíduo, afetando seu comportamento fora do trabalho (Coda, 1986). A associação entre saúde mental e satisfação no trabalho tem sido assinalada em diversos estudos, dos quais destacam-se aqui: 
Martinez (2002), estudando as relações entre satisfação no trabalho e saúde do trabalhador em empregados administrativos de uma empresa de autogestão em saúde e previdência provada no Estado de São Paulo, identificou a satisfação no trabalho correlacionada com cada um dos aspectos da saúde mental estudados e que esta correlação foi independente de variáveis sócio-demográficas. Porém, apesar da alta significância estatística, satisfação no trabalho teve reduzido poder em explicar a variabilidade dos aspectos da saúde mental. Outros fatores, não contemplados na análise, poderiam também interferir na saúde mental; 
Takeda, Yokoyama, Miyake e Ohida (2002), estudando as associações entre fatores relacionados ao trabalho e saúde mental em assistentes sociais de repartições da previdência social no Japão, identificaram a satisfação no trabalho apresentando forte associação negativa com esgotamento (burnout) e depressão; 
Peterson e Dunnagan (1998), estudando empregados da Universidade Estadual de Montana nos Estados Unidos da América, identificaram que pessoas que estão satisfeitas com seus empregos são mais saudáveis tanto física como psicologicamente; 
Aasland, Olff, Falkum, Schweder e Ursin (1997), estudando queixas de saúde e estresse no trabalho em médicos noruegueses, identificaram que o baixo nível de satisfação no trabalho estava significativamente associado com relato de saúde subjetiva insatisfatória, operacionalizado por alto nível de queixas subjetivas de saúde; 
Zalewska (1996), em estudos junto a bancários da Polônia, ao verificar a hipótese de que satisfação com a vida depende da satisfação com o trabalho e que bancários insatisfeitos com o trabalho constituem um grupo de risco elevado para ocorrência de problemas de saúde, teve resultados que identificaram trabalhadores insatisfeitos com o trabalho como menos satisfeitos com todos os aspectos do trabalho examinados (colegas, supervisores, conteúdo do trabalho, condições e organização do trabalho, desenvolvimento e salário) e constituindo um grupo elevado de risco para a ocorrência de problemas de saúde. Trabalhadores insatisfeitos demonstraram ser mais susceptíveis à ansiedade depressiva em situações difíceis, o que provavelmente dificultaria a organização das tarefas e seu desempenho, e se ressentiam dos efeitos do estresse causado por sobrecarga, apresentando sintomas como dores de cabeça, cansaço, corpo tenso, fraqueza muscular e dificuldade para respirar com mais freqüência do que os trabalhadores satisfeitos; 
Abouserie (1996), ao investigar fontes de estresse para docentes de uma universidade no Reino Unido, identificou uma correlação negativa significativa entre estresse e satisfação no trabalho e uma relação inversa entre estes dois fenômenos; 
Ramirez, Graham, Richards, Cull e Gregory (1996), estudando os efeitos do estresse e da satisfação no trabalho sobre a saúde mental de médicos especialistas de hospitais do Reino Unido, identificaram que satisfação no trabalho estava inversamente associada com exaustão emocional, despersonalização e morbidade psiquiátrica (depressão, perda de confiança, distúrbio do sono e outros sintomas). Identificaram também o efeito protetor da satisfação no trabalho sobre a saúde mental. Os aspectos do trabalho que apresentam maior contribuição para a satisfação no trabalho foram relações interpessoais satisfatórias, valorização e posição profissional, estímulo intelectual, recursos e gerenciamento adequados. Os autores consideraram os achados relevantes por indicarem que a satisfação no trabalho protege a saúde contra o estresse; 
Rocha (1996), ao estudar a relação saúde-trabalho de analistas de sistema no Estado de São Paulo, identifica a satisfação no trabalho como um fator protetor da saúde, como fator de diminuição na freqüência de sintomas do "estado nervoso", distúrbios neuro-vegetativos, alterações do hábito alimentar e problemas digestivos. Neste estudo, a satisfação no trabalho também apareceu associada negativamente à procura de consulta médica e como fator de redução da interferência negativa do trabalho na vida familiar e pessoal. Os fatores que apareceram associados à satisfação no trabalho foram: aprendizado constante, controle sobre o processo de trabalho, sentimento de "ser um artista produzindo uma obra" (possibilidade de criação), e percepção de desafio na resolução de problemas; 
O'Driscoll e Beehr (1994), estudando comportamento da chefia, conflitos e ambigüidade de papéis e suas repercussões sobre os empregados administrativos dos Estados Unidos da América do Norte e da Nova Zelândia, identificaram que a satisfação no trabalho apresentou um efeito mediador importante nessas relações. Os autores apontam que quando indivíduos encontram incertezas, ambigüidade e conflito de papéis no contexto do trabalho, o principal resultado destas pressões é a insatisfação e o trabalho é, então, relacionado a outras experiências negativas, dentre as quais o aumento do desgaste no trabalho. Os autores concluem que tais resultados encorajam a continuação dos estudos sobre satisfação no trabalho como um mediador importante entre as reações dos indivíduos às pressões e demandas do trabalho; 
Rahman e Sen (1987), em estudo referente aos efeitos da satisfação no trabalho sobre a saúde de empregados em trabalhos repetitivos, em Bangladesh, identificaram que funcionários altamente satisfeitos relataram níveis de saúde mental significativamente maiores e queixas de saúde mínimas, quando comparados com trabalhadores com baixa satisfação no trabalho. 
Deve-se lembrar que uma limitação dos estudos acima citados é seu desenho transversal, que impossibilita o estabelecimento de relação causal entre satisfação no trabalho e saúde mental, uma vez que exposição e evento são observados no mesmo corte temporal. Entretanto, este tipo de estudo oferece a avaliação das relações por meio das medidas de associação. Estas medidas têm a finalidade de avaliar a co-incidência de uma dada patologia, ou evento relacionado à saúde, na presença de uma condição atribuída hipoteticamente como fator de risco (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992). 
A relação entre saúde e satisfação no trabalho é difícil de ser estabelecida, porque nem sempre está claro se satisfação produz saúde, se saúde produz satisfação ou se as duas são resultado de algum outro fator (Henne & Locke, 1985). Se a direção causal entre estes dois fenômenos já estivesse reconhecida com base em métodos epidemiológicos, um estudo transversal poderia partir deste conhecimento teórico para fazer afirmações sobre as associações identificadas. Porém, essa direção causal ainda não está definitivamente estabelecida do ponto de vista epidemiológico. 
Uma outra limitação dos estudos epidemiológicos, tanto transversais como longitudinais, é que não explicam a dinâmica das correlações identificadas. O estudo quantitativo de dados qualitativos permite descrever características de uma população ou amostra, bem como estabelecer associações, riscos e probabilidades entre variáveis. Mas, devido a seu caráter reducionista, tal tipo de estudo não contempla a investigação dos processos e dinâmica das relações observadas, limitando a análise de aspectos sociais e/ou subjetivos. Dessa forma, esse tipo de estudo exige que se complemente a compreensão dos eventos com outras estratégias, tais como análises qualitativas, estudos de caso, busca de suporte em teorias já estabelecidas, estratégias que possibilitem explicar como se dão as trocas e determinações entre variáveis de estudo. 
Ao discutir o uso das análises de associação como estratégia no estudo da satisfação no trabalho, deve-se ressalta que uma correlação, por si só, não explica nada. Embora uma forte correlação estatística ajude a clarificar relações teóricas, não mostra como a alegada causa produz seu efeito, o que seria esperado de uma teoria e, portanto, esta técnica não exclui outras explicações vindas de outras fontes (Locke, 1976). Portanto, para a compreensão desses processos é necessário buscar respaldo teórico em outras áreas de conhecimento e em outros métodos (observacionais, análise de discurso, história oral, observação participante, grupo focal, pesquisa-ação, dentre outros), que colaborem, analisem ou expliquem como ocorrem estes processos. O sucesso da pesquisa em epidemiologia dependerá da construção da pesquisa fundamentada na fronteira ou no bojo do conjunto de conhecimentos teóricos já estruturados e nas realidades factuais (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992). 
Dessa forma, tanto para a formulação de hipóteses como para o estudo das situações de saúde ou doença, a pesquisa epidemiológica exige, além do uso das técnicas epidemiológicas, a busca de suporte teórico de outras ciências, como a bioestatística, a clínica, a imunologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992; Locke 1976). Assim, na tentativa de um melhor entendimento de como se dão as relações entre satisfação no trabalho e saúde, desta dinâmica, podem ser buscadas fontes na literatura científica de referência, como, por exemplo, em dados de estudos qualitativos. Não haveria, portanto, uma oposição ou exclusão a priori entre estudos quantitativos e qualitativos, na temática de satisfação e saúde no trabalho. 
Do ponto de vista metodológico também são necessários mais estudos, seja por meio de desenho epidemiológico longitudinal ou por método qualitativo, buscando confirmar a direção causal, relações e significados entre satisfação no trabalho e saúde, identificar e analisar melhor os aspectos que interferem nesta relação e caracterizar a dinâmica destas relações, de maneira a consolidar a compreensão dos impactos que o trabalho exerce sobre a saúde dos trabalhadores e da eficácia das intervenções. 
Dessa forma, as estratégias qualitativas e quantitativas não são mutuamente excludentes, ao contrário, o uso conjunto enriquece a compreensão e a ação sobre fenômenos tão complexos.

 Fonte: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v6/v6a05.pdf>.


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