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domingo, 25 de agosto de 2013

A influência da música na saúde mental


por: Ivone Boechat
A música se destaca dentre as expressões artísticas desde os primórdios da narrativa bíblica. No século VI a.C., Pitágoras afirmava: "a música e a dieta são os dois principais meios de limpar a alma e o corpo e manter a harmonia e a saúde de todo organismo". Nada no planeta "escapa" aos efeitos da música. Ela interfere em tudo que se refere aos seres vivos: na digestão, na produção de secreções, na circulação sanguínea, nas batidas cardíacas, na respiração, nutrição, etc... nas inteligências. O alemão Tartchanoff, especialista nos fenômenos cerebrais, provou que "a música exerce poderosa influência sobre a atividade muscular, que aumenta ou diminui, de acordo com o ritmo, o volume, o estilo, em qualquer atividade". Os sons são dinamogênicos, isto é, aumentam a energia muscular em função de sua intensidade e ritmo. Ou o inverso: a música pode paralisar. O uso errado da música encurta a vida e, corretamente usada, ajuda a preservá-la. As batidas cardíacas podem ser reguladas ou transtornadas pelos sons musicais. O rock, por exemplo, faz mal à saúde física e mental e vicia, tanto quanto qualquer droga química. Um rock-dependente submetido a um tratamento de desintoxicação mental demora a curar a desarmonia no seu metabolismo. Já os ritmos harmoniosos são estimulantes, sedativos, ajudam a recuperar o sono e fixam a memória. A medicina usa a música na terapia de: partos, cirurgias, tratamentos dentários etc. Empresas entretêm pacientes em sala de espera com música suave, neutralizando a ansiedade. Médicos de Los Angeles, EUA, selecionam músicas para relaxar no tratamento de pacientes com dores. No Brasil, a música já é usada na recuperação de doentes terminais. Há muito, sabe-se que a música estimula a produção no trabalho. Em restaurantes, ela estimula o apetite, o romantismo, a confraternização, as comemorações. Nos quartéis, desperta o espírito cívico. A Bíblia conta, por exemplo, que o rei Jeosafá usou um grandioso coral e uma banda de música para intimidar o inimigo (2 Cr 20). Ganhou a batalha! Shakespeare dizia que a música: "presta auxílio a mentes enfermas, arranca da memória uma tristeza arraigada, arrasa as ansiedades escritas no cérebro e, com seu doce e esquecedor antídoto, limpa o seio de todas as matérias perigosas que pesam sobre o coração". Para cada ambiente, há ritmos, sons e volumes apropriados. Porém, o volume acima de 70 decibéis, segundo órgãos internacionais de saúde, pode causar espasmos e lesões cerebrais irreversíveis. Mais de 90 decibéis, e o excesso sonoro e rítmico calcificam parcialmente o cérebro, bloqueando a memória. A epilepsia musicogênica resulta do excesso de ruídos musicais, incluindo convulsões. A lesão produzida pelo mau uso do som pode até matar, se a vítima não for adequadamente tratada. Desde o quarto mês de gestação, os bebês já podem ouvir. A ansiedade de uma grávida onde o som ultrapassa limites seguros é percebida e registrada pelo feto. Hoje, muitos jovens têm problemas de audição comuns em idosos, o que explica o volume exagerado de músicas em festas e cultos. Isso leva a sons cada vez mais altos. Outros efeitos negativos são irritabilidade, memória confusa, baixa aprendizagem, baixa autoestima, insônia, cefaleia, vômitos, impotência, morte etc. Na Alemanha, um estudo revelou que 70 decibéis sistemáticos de música causam constrição vascular - mortal, se as artérias coronárias já estiverem estreitadas pela arteriosclerose. É comum o mal-estar súbito em pessoas durante festas em que a música é uma arma. Por outro lado, a música sensibiliza, entusiasma, fortalece a memória, consola; tranquiliza, desperta a atenção, estimula a inteligência.







sábado, 17 de agosto de 2013

Os "10 pecados" de psicólogos e analistas


 

Lista enumera "10 pecados" de psicólogos e analistas
Por: FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo

A dona de casa Elisandra Bonfim, 28, fez terapia durante 12 anos. Teve duas psicólogas, chegou a ter sessões todos os dias da semana e gostava do processo. Mas diz que, com a última delas, que a atendeu por cinco anos, nunca teve coragem de ir para o divã.
Tinha medo de que a terapeuta dormisse, pois ela bocejava com frequência. "Acho que ela estava cansada naquela época, mas eu ficava muito incomodada com isso, pois acontecia em quase toda sessão. Cheguei a falar com ela, mas nada mudou", conta.
Outro problema era o fato de a profissional olhar demais para o relógio. "Sei que não pode passar da hora, mas eu ficava irritada com isso. Às vezes eu estava contando alguma coisa, tinha vários sentimentos envolvidos ali", lembra.
Nem por isso a terapeuta era pontual, diz Elisandra. Uma vez, chegou quando faltavam só dez minutos para o fim da sessão -foi preciso remarcar o encontro e voltar outro dia. "Ficava ansiosa, na expectativa. Tudo o que tinha planejado falar sumia da minha mente."
As atitudes descritas por Elisandra são algumas das citadas em uma lista que traz 12 maus hábitos que todo terapeuta deveria evitar. O autor também é psicólogo: o americano John Grohol, criador do portal Psych Central (www.psychcentral.com), acessado mensalmente por 800 mil pessoas e eleito um dos 50 melhores de 2008 pela revista "Time".
Segundo Grohol, a relação entre terapeuta e cliente é única: pode ser mais íntima do que o mais íntimo dos relacionamentos, mas, paradoxalmente, exige uma distância profissional. "Os terapeutas são tão humanos quanto seus pacientes e possuem as mesmas fobias. Eles têm maus hábitos, como todos nós temos, mas alguns deles podem realmente interferir no processo terapêutico", escreveu.
Folha selecionou dez comportamentos citados por Grohol e pediu a especialistas brasileiros que os comentassem. Muitos deles não são um problema quando ocorrem isoladamente, mas podem atrapalhar a terapia quando se tornam um hábito.
Se eles passam a incomodar o paciente, a recomendação é ser sincero. "O paciente tem o direito de expressar as necessidades dele", diz a psicóloga Regina Wielenska, supervisora de terapia comportamental do curso de terapia comportamental e cognitiva do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo). Wielenska lembra, porém, que algumas pessoas vão para a terapia justamente por terem dificuldade de se expressar.
"É o pior dos mundos quando o terapeuta tem atitudes inadequadas e o cliente não consegue se proteger delas. O melhor é quando ele se sente em condições de comunicar quando não concorda com alguma coisa", afirma.

1 Comer na frente do paciente

Esporadicamente, no caso de uma sessão extra pedida pelo paciente e marcada no horário de uma refeição, por exemplo, a atitude é aceitável, afirma o psicólogo Roberto Banaco, professor titular da PUC-SP.

"É melhor oferecer apoio ao cliente comendo do que negar esse apoio por falta de horário", diz Banaco. Mas necessidades pessoais como essa deveriam acontecer em outro contexto. "Comer na sessão mostra desrespeito pelo paciente", diz Wielenska.
O terapeuta da estudante Denise Thornberg, 22, transformou isso num hábito. Nas sessões, consumia Coca-Cola light e confeitos de chocolate. "Ele estava sempre com uma garrafinha de Coca na mão. Eu não gostava", conta.
Para o médico e psicanalista Sérgio Cyrino, filiado à Federação Brasileira de Psicanálise, isso não deve ocorrer jamais. "O analista não deve comer, oferecer ou aceitar comida."

2 Atender ao telefone

Emergências acontecem. O terapeuta pode ter de atender um paciente internado ou com risco de suicídio, por exemplo.
Nesse caso, o mais aconselhável é avisar antecipadamente ao paciente que isso pode acontecer e ser breve. "Se existir essa possibilidade, o terapeuta deveria dizer que, em caráter excepcional, pode ser necessário atender a uma ligação urgente. Mas isso deve ser raro, não pode se tornar um hábito", afirma Wielenska.
Atender a ligações de outro tipo é desaconselhável. "Imagine quando se interrompe um comunicado [do paciente] de intenso conteúdo emocional bem no meio. A compreensão, ao ser fragmentada, perde todo o sentido. O paciente se sente deixado em segundo plano. Como é que se conserta isso depois?", diz Cyrino.

3 Tomar notas em excesso

A figura do analista com um bloquinho na mão, que aparece em charges e filmes, é um falso símbolo da psicanálise, diz Cyrino. "Freud não anotava durante as sessões porque isso fragmenta a compreensão da situação da análise. Quem interrompe para tomar notas perde o fio da meada. O pensamento é muito mais rápido do que a palavra escrita. E o paciente se sente perseguido."
Para Banaco, anotações, quando ocorrem, podem ser feitas rapidamente por meio de palavras-chave, como lembretes para serem "recheados" com conteúdos nos intervalos entre sessões.
Denise Thornberg conta que seu terapeuta escrevia tanto que a incomodava. "Ele não me olhava nos olhos." Para Wielenska, o terapeuta deve pedir autorização para anotar e manter o contato com ele enquanto faz isso. "Quem trabalha frente a frente com alguém deve preservar o olhar e a atenção."

4Atrasar-se para a sessão

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Doping das Crianças




O que o aumento do consumo da “droga da obediência”, usada para o tratamento do chamado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, revela sobre a medicalização da educação?

ELIANE BRUM

Um estudo divulgado na semana passada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deveria ter disparado um alarme dentro das casas e das escolas – e aberto um grande debate no país. A pesquisa mostra que, entre 2009 e 2011, o consumo do metilfenidato, medicamento comercializado no Brasil com os nomes Ritalina e Concerta, aumentou 75% entre crianças e adolescentes na faixa dos 6 aos 16 anos. A droga é usada para combater uma patologia controversa chamada de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A pesquisa detectou ainda uma variação perturbadora no consumo do remédio: aumenta no segundo semestre do ano e diminui no período das férias escolares. Isso significa que há uma relação direta entre a escola e o uso de uma droga tarja preta, com atuação sobre o sistema nervoso central e criação de dependência física e psíquica. Uma observação: o metilfenidato é conhecido como “a droga da obediência”.  
O boletim da Anvisa é uma indicação de que o uso abusivo do metilfenidato pode se tornar um problema de saúde pública no Brasil. A pesquisa é o ponto de partida para vários caminhos de investigação, inclusive jornalística. Por que Porto Alegre é a capital brasileira com maior consumo da droga? Por que o Distrito Federal é, entre as unidades da federação, a que registrou maior uso de metilfenidato? Por que Rondônia, entre os estados do norte, tem um consumo 13 vezes maior que o estado com menor consumo registrado? O que diferencia os médicos brasileiros, concentrados nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que mais prescrevem o medicamento no Brasil? E por que os três maiores prescritores, dois deles profissionais do Distrito Federal, são os mesmos nos três anos pesquisados? Em 2011, as famílias brasileiras gastaram R$ 28,5 milhões na compra da droga da obediência – R$ 778,75 por cada mil crianças e adolescentes com idade entre 6 e 16 anos. É preciso seguir as pistas e compreender o que está acontecendo. 
A TDAH seria um transtorno neurológico do comportamento que atingiria de 8 a 12% das crianças no mundo. No Brasil, os índices são bastante discordantes, alcançando até 26,8% . Os sintomas considerados para o diagnóstico em crianças são: apresentar dificuldade para prestar atenção e passar muito tempo sonhando acordada; parecer não ouvir quando se fala diretamente com ela; distrair-se facilmente ao fazer tarefas ou ao brincar; esquecer as coisas; mover-se constantemente ou ser incapaz de permanecer sentada; falar excessivamente; demonstrar incapacidade de brincar calada; atuar e falar sem pensar; ter dificuldade para esperar sua vez; interromper a conversa de terceiros; demonstrar inquietação.  
Um parêntese. A droga tem sido usada por jovens e adultos de todas as idades, na crença de que ela potencializaria a atenção e o rendimento. É difícil quem não conheça alguém que já usou o medicamento para fazer provas na escola ou na universidade, assim como em vestibulares e concursos. O uso é disseminado no ambiente profissional, utilizado por quem quer melhorar seu desempenho ou precisa terminar um trabalho em prazo curto. Também é popular entre aqueles que querem ficar “bombados” para uma balada. Alguns recorrem ao mercado ilegal, outros simulam os sintomas de TDAH nos consultórios médicos para conseguir a receita. Sobre esse tipo de consumo há unanimidade: é totalmente contraindicado.
Entre as considerações finais, os autores da pesquisa da Anvisa, Márcia Gonçalves de Oliveira e Daniel Marques Mota, afirmam:
- Os dados demonstram uma tendência de uso crescente no Brasil. No entanto, a pergunta que precisa ser respondida é se esse uso está sendo feito de forma segura, isto é, somente para as indicações aprovadas no registro do medicamento e para os pacientes corretos, na dosagem e períodos adequados. O uso do medicamento metilfenidato tem sido muito difundido nos últimos anos de forma, inclusive, equivocada, sendo utilizado como “droga da obediência” e como instrumento de melhoria do desempenho seja de crianças, adolescentes ou adultos. Em muitos países, como os Estados Unidos, o metilfenidato tem sido largamente utilizado entre adolescentes para melhorar o desempenho escolar e para moldar as crianças, afinal, é mais fácil modificá-las que ao ambiente. Na verdade, o medicamento deve funcionar como um adjuvante no estabelecimento do equilíbrio comportamental do indivíduo, aliado a outras medidas, como educacionais, sociais e psicológicas. Nesse sentido, recomenda-se proporcionar educação pública para diferentes segmentos da sociedade, sem discursos morais e sem atitudes punitivas, cuja principal finalidade seja a de contribuir com o desenvolvimento e a demonstração de alternativas práticas ao uso de medicamentos.  
Leia o texto completo em:
 <http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2013/02/o-doping-das-criancas.html>. 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Satisfação no trabalho e saúde mental

Por (Maria Carmen Martinez e Ana Isabel Bruzzi Bezerra Paraguay) 
A satisfação no trabalho é um dos principais componentes para a satisfação geral com a vida e uma estimativa subjetiva de bem-estar (Zalewska, 1999a, 1999b). Assim, satisfação no trabalho também é importante para a saúde mental do indivíduo na medida em que aquela pode ter uma extensão de seu efeito para a vida particular e, ao contrário, caso ocorra a insatisfação no trabalho, será acompanhada de desapontamento que permeará a vida do indivíduo, afetando seu comportamento fora do trabalho (Coda, 1986). A associação entre saúde mental e satisfação no trabalho tem sido assinalada em diversos estudos, dos quais destacam-se aqui: 
Martinez (2002), estudando as relações entre satisfação no trabalho e saúde do trabalhador em empregados administrativos de uma empresa de autogestão em saúde e previdência provada no Estado de São Paulo, identificou a satisfação no trabalho correlacionada com cada um dos aspectos da saúde mental estudados e que esta correlação foi independente de variáveis sócio-demográficas. Porém, apesar da alta significância estatística, satisfação no trabalho teve reduzido poder em explicar a variabilidade dos aspectos da saúde mental. Outros fatores, não contemplados na análise, poderiam também interferir na saúde mental; 
Takeda, Yokoyama, Miyake e Ohida (2002), estudando as associações entre fatores relacionados ao trabalho e saúde mental em assistentes sociais de repartições da previdência social no Japão, identificaram a satisfação no trabalho apresentando forte associação negativa com esgotamento (burnout) e depressão; 
Peterson e Dunnagan (1998), estudando empregados da Universidade Estadual de Montana nos Estados Unidos da América, identificaram que pessoas que estão satisfeitas com seus empregos são mais saudáveis tanto física como psicologicamente; 
Aasland, Olff, Falkum, Schweder e Ursin (1997), estudando queixas de saúde e estresse no trabalho em médicos noruegueses, identificaram que o baixo nível de satisfação no trabalho estava significativamente associado com relato de saúde subjetiva insatisfatória, operacionalizado por alto nível de queixas subjetivas de saúde; 
Zalewska (1996), em estudos junto a bancários da Polônia, ao verificar a hipótese de que satisfação com a vida depende da satisfação com o trabalho e que bancários insatisfeitos com o trabalho constituem um grupo de risco elevado para ocorrência de problemas de saúde, teve resultados que identificaram trabalhadores insatisfeitos com o trabalho como menos satisfeitos com todos os aspectos do trabalho examinados (colegas, supervisores, conteúdo do trabalho, condições e organização do trabalho, desenvolvimento e salário) e constituindo um grupo elevado de risco para a ocorrência de problemas de saúde. Trabalhadores insatisfeitos demonstraram ser mais susceptíveis à ansiedade depressiva em situações difíceis, o que provavelmente dificultaria a organização das tarefas e seu desempenho, e se ressentiam dos efeitos do estresse causado por sobrecarga, apresentando sintomas como dores de cabeça, cansaço, corpo tenso, fraqueza muscular e dificuldade para respirar com mais freqüência do que os trabalhadores satisfeitos; 
Abouserie (1996), ao investigar fontes de estresse para docentes de uma universidade no Reino Unido, identificou uma correlação negativa significativa entre estresse e satisfação no trabalho e uma relação inversa entre estes dois fenômenos; 
Ramirez, Graham, Richards, Cull e Gregory (1996), estudando os efeitos do estresse e da satisfação no trabalho sobre a saúde mental de médicos especialistas de hospitais do Reino Unido, identificaram que satisfação no trabalho estava inversamente associada com exaustão emocional, despersonalização e morbidade psiquiátrica (depressão, perda de confiança, distúrbio do sono e outros sintomas). Identificaram também o efeito protetor da satisfação no trabalho sobre a saúde mental. Os aspectos do trabalho que apresentam maior contribuição para a satisfação no trabalho foram relações interpessoais satisfatórias, valorização e posição profissional, estímulo intelectual, recursos e gerenciamento adequados. Os autores consideraram os achados relevantes por indicarem que a satisfação no trabalho protege a saúde contra o estresse; 
Rocha (1996), ao estudar a relação saúde-trabalho de analistas de sistema no Estado de São Paulo, identifica a satisfação no trabalho como um fator protetor da saúde, como fator de diminuição na freqüência de sintomas do "estado nervoso", distúrbios neuro-vegetativos, alterações do hábito alimentar e problemas digestivos. Neste estudo, a satisfação no trabalho também apareceu associada negativamente à procura de consulta médica e como fator de redução da interferência negativa do trabalho na vida familiar e pessoal. Os fatores que apareceram associados à satisfação no trabalho foram: aprendizado constante, controle sobre o processo de trabalho, sentimento de "ser um artista produzindo uma obra" (possibilidade de criação), e percepção de desafio na resolução de problemas; 
O'Driscoll e Beehr (1994), estudando comportamento da chefia, conflitos e ambigüidade de papéis e suas repercussões sobre os empregados administrativos dos Estados Unidos da América do Norte e da Nova Zelândia, identificaram que a satisfação no trabalho apresentou um efeito mediador importante nessas relações. Os autores apontam que quando indivíduos encontram incertezas, ambigüidade e conflito de papéis no contexto do trabalho, o principal resultado destas pressões é a insatisfação e o trabalho é, então, relacionado a outras experiências negativas, dentre as quais o aumento do desgaste no trabalho. Os autores concluem que tais resultados encorajam a continuação dos estudos sobre satisfação no trabalho como um mediador importante entre as reações dos indivíduos às pressões e demandas do trabalho; 
Rahman e Sen (1987), em estudo referente aos efeitos da satisfação no trabalho sobre a saúde de empregados em trabalhos repetitivos, em Bangladesh, identificaram que funcionários altamente satisfeitos relataram níveis de saúde mental significativamente maiores e queixas de saúde mínimas, quando comparados com trabalhadores com baixa satisfação no trabalho. 
Deve-se lembrar que uma limitação dos estudos acima citados é seu desenho transversal, que impossibilita o estabelecimento de relação causal entre satisfação no trabalho e saúde mental, uma vez que exposição e evento são observados no mesmo corte temporal. Entretanto, este tipo de estudo oferece a avaliação das relações por meio das medidas de associação. Estas medidas têm a finalidade de avaliar a co-incidência de uma dada patologia, ou evento relacionado à saúde, na presença de uma condição atribuída hipoteticamente como fator de risco (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992). 
A relação entre saúde e satisfação no trabalho é difícil de ser estabelecida, porque nem sempre está claro se satisfação produz saúde, se saúde produz satisfação ou se as duas são resultado de algum outro fator (Henne & Locke, 1985). Se a direção causal entre estes dois fenômenos já estivesse reconhecida com base em métodos epidemiológicos, um estudo transversal poderia partir deste conhecimento teórico para fazer afirmações sobre as associações identificadas. Porém, essa direção causal ainda não está definitivamente estabelecida do ponto de vista epidemiológico. 
Uma outra limitação dos estudos epidemiológicos, tanto transversais como longitudinais, é que não explicam a dinâmica das correlações identificadas. O estudo quantitativo de dados qualitativos permite descrever características de uma população ou amostra, bem como estabelecer associações, riscos e probabilidades entre variáveis. Mas, devido a seu caráter reducionista, tal tipo de estudo não contempla a investigação dos processos e dinâmica das relações observadas, limitando a análise de aspectos sociais e/ou subjetivos. Dessa forma, esse tipo de estudo exige que se complemente a compreensão dos eventos com outras estratégias, tais como análises qualitativas, estudos de caso, busca de suporte em teorias já estabelecidas, estratégias que possibilitem explicar como se dão as trocas e determinações entre variáveis de estudo. 
Ao discutir o uso das análises de associação como estratégia no estudo da satisfação no trabalho, deve-se ressalta que uma correlação, por si só, não explica nada. Embora uma forte correlação estatística ajude a clarificar relações teóricas, não mostra como a alegada causa produz seu efeito, o que seria esperado de uma teoria e, portanto, esta técnica não exclui outras explicações vindas de outras fontes (Locke, 1976). Portanto, para a compreensão desses processos é necessário buscar respaldo teórico em outras áreas de conhecimento e em outros métodos (observacionais, análise de discurso, história oral, observação participante, grupo focal, pesquisa-ação, dentre outros), que colaborem, analisem ou expliquem como ocorrem estes processos. O sucesso da pesquisa em epidemiologia dependerá da construção da pesquisa fundamentada na fronteira ou no bojo do conjunto de conhecimentos teóricos já estruturados e nas realidades factuais (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992). 
Dessa forma, tanto para a formulação de hipóteses como para o estudo das situações de saúde ou doença, a pesquisa epidemiológica exige, além do uso das técnicas epidemiológicas, a busca de suporte teórico de outras ciências, como a bioestatística, a clínica, a imunologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia (Almeida Filho & Rouquayrol, 1992; Locke 1976). Assim, na tentativa de um melhor entendimento de como se dão as relações entre satisfação no trabalho e saúde, desta dinâmica, podem ser buscadas fontes na literatura científica de referência, como, por exemplo, em dados de estudos qualitativos. Não haveria, portanto, uma oposição ou exclusão a priori entre estudos quantitativos e qualitativos, na temática de satisfação e saúde no trabalho. 
Do ponto de vista metodológico também são necessários mais estudos, seja por meio de desenho epidemiológico longitudinal ou por método qualitativo, buscando confirmar a direção causal, relações e significados entre satisfação no trabalho e saúde, identificar e analisar melhor os aspectos que interferem nesta relação e caracterizar a dinâmica destas relações, de maneira a consolidar a compreensão dos impactos que o trabalho exerce sobre a saúde dos trabalhadores e da eficácia das intervenções. 
Dessa forma, as estratégias qualitativas e quantitativas não são mutuamente excludentes, ao contrário, o uso conjunto enriquece a compreensão e a ação sobre fenômenos tão complexos.

 Fonte: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v6/v6a05.pdf>.


sábado, 5 de janeiro de 2013

A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos

Achei excelente esse artigo, decidi postá-lo

 
Por: Bruno Alvarenga Ribeiro, via Café com Ciência http://cafe-com-ciencia.blogspot.com.br/2013/01/a-dificil-tarefa-de-falar-de-sentimentos.html
Você já percebeu que falar de sentimentos e emoções não é uma tarefa muito fácil? Nós psicólogos vivenciamos isso todos os dias na clínica. Muitos dos nossos clientes querem falar de seus sentimentos, mas as palavras parecem escapar-lhes, e quando alguma palavra é encontrada ela parece não descrever com exatidão aquilo que se sente. No entanto, não é um "privilégio" dos psicólogos poder observar de perto a dificuldade que a maior parte das pessoas têm de falar de seus sentimentos. Aliás, é bom que se diga que os profissionais da psicologia não estão isentos desta dificuldade, afinal de contas nós também somos humanos, e como o resto da humanidade aprendemos a falar de nossos sentimentos com quem não tem acesso ao que estamos sentindo.
Já assinalamos em outros textos que emoções são comportamentos.Tenha acesso a alguns destes textos clicando aqui. O behaviorista não atribui às emoções nenhum status especial. Ele não considera as emoções como os fatores causais daquilo que fazemos. Tanto o que sentimos quanto o que fazemos são comportamentos selecionados (modelados) pelas contingências de reforço que fomos sendo expostos ao longo da vida. Isso não quer dizer que as contingências filogenéticas, aquelas relacionadas à sobrevivência da espécie humana e as contingências culturais não tenham um papel na causação do comportamento emocional.
As contingências filogenéticas selecionaram os comportamentos respondentes que são eliciados quando nos emocionamos. Quando alguém, por exemplo, diz sentir ansiedade, na verdade está relatando algumas transformações fisiológicas que estão se processando no organismo: taquicardia, respiração ofegante, queimação no estômago ou ânsia de vômito, tensão muscular, etc. Estas transformações fisiológicas são os respondentes eliciados quando se sente ansiedade. Isso é apenas parte do comportamento emocional de se sentir ansioso. Outra parte se manifesta através de comportamentos operantes: agitação, fala acelerada, dificuldade de concentração, impaciência, etc.
As transformações fisiológicas foram selecionadas ao longo da evolução das espécies por causa do seu valor de sobrevivência. Imaginemos o caso da ansiedade. Taquicardia e respiração ofegante, por exemplo, ajudam o organismo a entrar num estado de alerta que o prepara para a fuga e contra-ataque. Nos primódios da civilazação humana o Homem disputava alimentos e abrigo com outras espécies, fugir e contra-atacar foram respostas adaptativas selecionadas por contngências filogenéticas. O problema do mundo moderno é que qualquer sinal insignificante de perigo é interpretado como motivo para fugir e contra-atacar, e isso explica porque tantas pessoas têm problemas relacionados com a ansiedade e porque muitas outras vivem explodindo e contra-atacando aquilo que se considera um objeto de temor.
Mesmo os comportamentos de contra-atacar e fugir não são puramente filogenéticos. Há neles um componente operante. Se o contra-ataque minimiza ou elimina os sinais de perigo, acaba por se estabelecer uma contingência de reforçamento negativo. Se a fuga evita danos à integridade física, também se estabelece uma contingência de reforçamento negativo. Mas as respostas de aceleração cardíaca, respiração ofegante, entre outras são puramente filogenéticas, cuja função é colocar o organismo em condições para fuga ou contra-ataque. Neste sentido, podemos dizer que ansiedade enquanto comportamento emocional é um comportamento adaptativo, pois ajudou o homem na luta por alimentos e abrigo.

Mas se a ansiedade como qualquer outro comportamento emocional pode ser um comportamento adaptativo, por que temos padrões emocionais que acabam produzindo problemas, que acabam colocando a integridade do organismo em risco? A resposta está nas contingências de reforço. Se alguém é muito ansioso, pode ser que tenha tido uma história repleta de muitas punições. Sendo assim, vários foram os estímulos que se associaram às punições e por isso se tornaram estímulos aversivos. Então, a pessoa age como se tudo fosse aversivo, como se estivesse prestes a ser punida, por isso precisa manter-se alerta. Uma generalização de estímulos é responsável por este estado de prontidão.
As contingências culturais também têm um papel na causação do comportamento emocional. É dito, por exemplo, que os brasileiros são bastantes expressivos, enquanto que os ingleses são mais frios e introspectivos. Se analisarmos a cultura brasileira encontraremos contingências que favorecem a extroversão, enquanto na Inglaterra encontraremos outras contingências completamente diferentes. Uma análise completa dos comportamentos emocionais também deve levar em consideração estas contingências. Um psicoterapeuta brasileiro atendendo um inglês deve ter o cuidado de não forçar a ocorrência de certos comportamentos emocionais, caso contrário pode criar contingências de controle aversivo que levem o cliente a fugir do tratamento.
Até aqui aprendemos que emoções são comportamentos. Por trás da causação dos comportamentos emocionais estão contingências filogenéticas, contingências de reforço (ontogenéticas) e contingências que envolvem o processo de transmissão da cultura. Resta responder a seguinte pergunta: por que é tão difícil falar de emoções? Lembremos que parte do que ocorre enquanto nos emocionamos são comportamentos respondentes (mudanças fisiológicas). Boa parte destes mudanças geram transformações no interior do organismo, geram estímulos interoceptivos, estímulos que ocorrem no interior do organismo, estímulos que correspondem exatamente aquilo que sentimos quando nos emocionamos.
Estes estímulos são privados, pois só quem tem acesso a eles é aquele que se emociona. Quando descrevemos que estamos sentindo determinada emoção, estamos na verdade descrevendo a ocorrência destes estímulos gerados por comportamentos respondentes. A questão é que aprendemos a descrever tais estímulos, ou descrever nossos estados emocionais com quem não tem acesso ao que estamos sentindo. Chamamos de comunidade verbal aqueles que nos ensinam tal tarefa. A comunidade verbal é formada por todos os membros que fazem parte dos grupos aos quais frequentamos ao longo da vida: família, escola, grupos sociais, etc.
Se a comunidade verbal não tem acesso ao que sentimos, como ela nos ensina a falar de nossas emoções? Ela faz isso com base em eventos públicos que acompanham nossos estados emocionais. Vamos a um exemplo. Imagine uma criança que ao aprender a dar os seus primeiros passos acaba caindo e ferindo a boca. Imediatamente ela começa a chorar. A mãe presume que ela está sentindo dor e começa a dizer: "oh dó, está doendo bebê? Machucou a boquinha? Fez dodói?" Assim a criança aprende que aquilo que está sendo sentido se chama dor.
Mas não é em todos os estados emocionais que há um evento púbico claro acompanhando um estímulo privado que se presume estar ocorrendo. A comunidade verbal vai sempre inferir a presença de um estímulo privado a partir de eventos públicos correlatos, mas estes últimos nem sempre são assim tão evidentes. Deste fato deriva-se a dificuldade que geralmente temos em falar de emoções, pois aprendemos a relatá-las de modo bastante impreciso, e toda imprecisão decorre do acesso que a comunidade não tem aos estímulos que se originam da ocorrência de comportamentos respondentes.
Este é um dos principais motivos que explicam a dificuldade que todos temos em falar de emoções. Há outros. Emoções que geram estimulação aversiva também vão ser relatadas com dificuldades, pois os estímulos aversivos irão gerar comportamentos que concorrerão com o comportamento de relatar a emoção sentida. Pessoas com pouco treino em habilidades sociais também podem sentir muita dificuldade ao falar de emoções, pois o falar pressupõe um ouvinte (plateia), e a ausência de comportamentos que permitam a socialização transforma as situações sociais em fontes de estímulos aversivos. Portanto, antes de julgarmos alguém, é bom que nos questionemos se estamos em condições de descrever o que a pessoa está sentindo. Nem sempre os eventos públicos que acompanham os comportamentos emocionais são pistas confiáveis para aquilo que as pessoas estão sentindo. Ao lembrarmos disso evitamos os riscos de chegarmos a conclusões precipitadas a respeito daquilo que as pessoas sentem