Por (Maria Carmen Martinez e Ana Isabel Bruzzi Bezerra Paraguay)
A satisfação no
trabalho é um dos principais componentes para a satisfação geral com a vida e
uma estimativa subjetiva de bem-estar (Zalewska, 1999a, 1999b). Assim,
satisfação no trabalho também é importante para a saúde mental do indivíduo na
medida em que aquela pode ter uma extensão de seu efeito para a vida particular
e, ao contrário, caso ocorra a insatisfação no trabalho, será acompanhada de
desapontamento que permeará a vida do indivíduo, afetando seu comportamento
fora do trabalho (Coda, 1986). A associação entre saúde mental e satisfação no
trabalho tem sido assinalada em diversos estudos, dos quais destacam-se aqui:
Martinez (2002),
estudando as relações entre satisfação no trabalho e saúde do trabalhador em
empregados administrativos de uma empresa de autogestão em saúde e previdência
provada no Estado de São Paulo, identificou a satisfação no trabalho
correlacionada com cada um dos aspectos da saúde mental estudados e que esta
correlação foi independente de variáveis sócio-demográficas. Porém, apesar da
alta significância estatística, satisfação no trabalho teve reduzido poder em
explicar a variabilidade dos aspectos da saúde mental. Outros fatores, não
contemplados na análise, poderiam também interferir na saúde mental;
Takeda, Yokoyama, Miyake
e Ohida (2002), estudando as associações entre fatores relacionados ao trabalho
e saúde mental em assistentes sociais de repartições da previdência social no
Japão, identificaram a satisfação no trabalho apresentando forte associação
negativa com esgotamento (burnout) e depressão;
Peterson e Dunnagan
(1998), estudando empregados da Universidade Estadual de Montana nos Estados
Unidos da América, identificaram que pessoas que estão satisfeitas com seus
empregos são mais saudáveis tanto física como psicologicamente;
Aasland, Olff, Falkum,
Schweder e Ursin (1997), estudando queixas de saúde e estresse no trabalho em
médicos noruegueses, identificaram que o baixo nível de satisfação no trabalho
estava significativamente associado com relato de saúde subjetiva
insatisfatória, operacionalizado por alto nível de queixas subjetivas de saúde;
Zalewska (1996), em
estudos junto a bancários da Polônia, ao verificar a hipótese de que satisfação
com a vida depende da satisfação com o trabalho e que bancários insatisfeitos
com o trabalho constituem um grupo de risco elevado para ocorrência de
problemas de saúde, teve resultados que identificaram trabalhadores
insatisfeitos com o trabalho como menos satisfeitos com todos os aspectos do
trabalho examinados (colegas, supervisores, conteúdo do trabalho, condições e
organização do trabalho, desenvolvimento e salário) e constituindo um grupo
elevado de risco para a ocorrência de problemas de saúde. Trabalhadores
insatisfeitos demonstraram ser mais susceptíveis à ansiedade depressiva em
situações difíceis, o que provavelmente dificultaria a organização das tarefas
e seu desempenho, e se ressentiam dos efeitos do estresse causado por
sobrecarga, apresentando sintomas como dores de cabeça, cansaço, corpo tenso,
fraqueza muscular e dificuldade para respirar com mais freqüência do que os
trabalhadores satisfeitos;
Abouserie (1996), ao
investigar fontes de estresse para docentes de uma universidade no Reino Unido,
identificou uma correlação negativa significativa entre estresse e satisfação
no trabalho e uma relação inversa entre estes dois fenômenos;
Ramirez, Graham,
Richards, Cull e Gregory (1996), estudando os efeitos do estresse e da
satisfação no trabalho sobre a saúde mental de médicos especialistas de
hospitais do Reino Unido, identificaram que satisfação no trabalho estava
inversamente associada com exaustão emocional, despersonalização e morbidade
psiquiátrica (depressão, perda de confiança, distúrbio do sono e outros
sintomas). Identificaram também o efeito protetor da satisfação no trabalho
sobre a saúde mental. Os aspectos do trabalho que apresentam maior contribuição
para a satisfação no trabalho foram relações interpessoais satisfatórias,
valorização e posição profissional, estímulo intelectual, recursos e
gerenciamento adequados. Os autores consideraram os achados relevantes por
indicarem que a satisfação no trabalho protege a saúde contra o estresse;
Rocha (1996), ao
estudar a relação saúde-trabalho de analistas de sistema no Estado de São
Paulo, identifica a satisfação no trabalho como um fator protetor da saúde,
como fator de diminuição na freqüência de sintomas do "estado
nervoso", distúrbios neuro-vegetativos, alterações do hábito alimentar e
problemas digestivos. Neste estudo, a satisfação no trabalho também apareceu
associada negativamente à procura de consulta médica e como fator de redução da
interferência negativa do trabalho na vida familiar e pessoal. Os fatores que
apareceram associados à satisfação no trabalho foram: aprendizado constante,
controle sobre o processo de trabalho, sentimento de "ser um artista
produzindo uma obra" (possibilidade de criação), e percepção de desafio na
resolução de problemas;
O'Driscoll e Beehr
(1994), estudando comportamento da chefia, conflitos e ambigüidade de papéis e
suas repercussões sobre os empregados administrativos dos Estados Unidos da
América do Norte e da Nova Zelândia, identificaram que a satisfação no trabalho
apresentou um efeito mediador importante nessas relações. Os autores apontam
que quando indivíduos encontram incertezas, ambigüidade e conflito de papéis no
contexto do trabalho, o principal resultado destas pressões é a insatisfação e
o trabalho é, então, relacionado a outras experiências negativas, dentre as
quais o aumento do desgaste no trabalho. Os autores concluem que tais
resultados encorajam a continuação dos estudos sobre satisfação no trabalho
como um mediador importante entre as reações dos indivíduos às pressões e
demandas do trabalho;
Rahman e Sen (1987), em
estudo referente aos efeitos da satisfação no trabalho sobre a saúde de
empregados em trabalhos repetitivos, em Bangladesh, identificaram que
funcionários altamente satisfeitos relataram níveis de saúde mental
significativamente maiores e queixas de saúde mínimas, quando comparados com
trabalhadores com baixa satisfação no trabalho.
Deve-se lembrar que uma
limitação dos estudos acima citados é seu desenho transversal, que
impossibilita o estabelecimento de relação causal entre satisfação no trabalho
e saúde mental, uma vez que exposição e evento são observados no mesmo corte
temporal. Entretanto, este tipo de estudo oferece a avaliação das relações por
meio das medidas de associação. Estas medidas têm a finalidade de avaliar a
co-incidência de uma dada patologia, ou evento relacionado à saúde, na presença
de uma condição atribuída hipoteticamente como fator de risco (Almeida Filho
& Rouquayrol, 1992).
A relação entre saúde e
satisfação no trabalho é difícil de ser estabelecida, porque nem sempre está
claro se satisfação produz saúde, se saúde produz satisfação ou se as duas são
resultado de algum outro fator (Henne & Locke, 1985). Se a direção causal
entre estes dois fenômenos já estivesse reconhecida com base em métodos
epidemiológicos, um estudo transversal poderia partir deste conhecimento
teórico para fazer afirmações sobre as associações identificadas. Porém, essa
direção causal ainda não está definitivamente estabelecida do ponto de vista
epidemiológico.
Uma outra limitação dos
estudos epidemiológicos, tanto transversais como longitudinais, é que não
explicam a dinâmica das correlações identificadas. O estudo quantitativo de dados
qualitativos permite descrever características de uma população ou amostra, bem
como estabelecer associações, riscos e probabilidades entre variáveis. Mas,
devido a seu caráter reducionista, tal tipo de estudo não contempla a
investigação dos processos e dinâmica das relações observadas, limitando a
análise de aspectos sociais e/ou subjetivos. Dessa forma, esse tipo de estudo
exige que se complemente a compreensão dos eventos com outras estratégias, tais
como análises qualitativas, estudos de caso, busca de suporte em teorias já
estabelecidas, estratégias que possibilitem explicar como se dão as trocas e
determinações entre variáveis de estudo.
Ao discutir o uso das
análises de associação como estratégia no estudo da satisfação no trabalho,
deve-se ressalta que uma correlação, por si só, não explica nada. Embora uma
forte correlação estatística ajude a clarificar relações teóricas, não mostra
como a alegada causa produz seu efeito, o que seria esperado de uma teoria e,
portanto, esta técnica não exclui outras explicações vindas de outras fontes
(Locke, 1976). Portanto, para a compreensão desses processos é necessário
buscar respaldo teórico em outras áreas de conhecimento e em outros métodos
(observacionais, análise de discurso, história oral, observação participante,
grupo focal, pesquisa-ação, dentre outros), que colaborem, analisem ou
expliquem como ocorrem estes processos. O sucesso da pesquisa em epidemiologia
dependerá da construção da pesquisa fundamentada na fronteira ou no bojo do
conjunto de conhecimentos teóricos já estruturados e nas realidades factuais
(Almeida Filho & Rouquayrol, 1992).
Dessa forma, tanto para
a formulação de hipóteses como para o estudo das situações de saúde ou doença,
a pesquisa epidemiológica exige, além do uso das técnicas epidemiológicas, a
busca de suporte teórico de outras ciências, como a bioestatística, a clínica,
a imunologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia (Almeida Filho &
Rouquayrol, 1992; Locke 1976). Assim, na tentativa de um melhor entendimento de
como se dão as relações entre satisfação no trabalho e saúde, desta dinâmica,
podem ser buscadas fontes na literatura científica de referência, como, por
exemplo, em dados de estudos qualitativos. Não haveria, portanto, uma oposição
ou exclusão a priori entre estudos quantitativos e qualitativos, na temática de
satisfação e saúde no trabalho.
Do ponto de vista
metodológico também são necessários mais estudos, seja por meio de desenho
epidemiológico longitudinal ou por método qualitativo, buscando confirmar a
direção causal, relações e significados entre satisfação no trabalho e saúde,
identificar e analisar melhor os aspectos que interferem nesta relação e
caracterizar a dinâmica destas relações, de maneira a consolidar a compreensão
dos impactos que o trabalho exerce sobre a saúde dos trabalhadores e da
eficácia das intervenções.
Dessa forma, as
estratégias qualitativas e quantitativas não são mutuamente excludentes, ao
contrário, o uso conjunto enriquece a compreensão e a ação sobre fenômenos tão
complexos.